quarta-feira, 12 de outubro de 2016

28 dias de L.F.S. 34, pós estupro - Faltam 26 dias



Às vezes é preciso fazer pausas para lidar com temas difíceis na vida. A violência que L.F.S, 34 sofreu a jogou numa montanha russa emocional por uns dias. Especialmente esses primeiros dias sob efeito do coquete preventivo, que é gratuitamente distribuído no Brasil pelo SUS. Os remédios nocauteiam não apenas o corpo, a mente parece, em alguns momentos flutuar na caixa craniana. Isso não dura muito. Conforme o corpo vai se adaptando, a mente - o cérebro - vai assentando, digamos assim.

Mas as emoções, estas não são nem apartadas nem completamente identificadas com a mente. São de outra ordem, uma ordem que influi na mente, mas não se confunde com ela. E a memória dos momentos que antecederam o episódio do estupro visitou-a no terceiro dia. Junto com as memórias as perguntas - sempre sem resposta - de quem dentro dela não podia acreditar ainda que aquilo tudo havia acontecido.

Na manhã do terceiro dia de medicamentos acordou às 3 da madrugada assustada, seria efeito do trauma? Não pode mais dormir. Pensamentos desconexos a visitavam. Tentava lembrar do sonho que a despertara sem sucesso. Tentava lembrar como havia ido parar naquela situação. Buscava na memória algo que tivesse feito ou algo que tivesse dito para que ele pensasse que podia se aproximar dela daquela maneira. Não encontrava. 

Ela ficara na escola até mais tarde porque tinha pilhas de provas para responder. Quando ele se aproximou da porta silenciosamente ela nem notou sua chegada. Quando notou não se surpreendeu ou se assustou. Ao contrário, sorriu como de hábito, afinal eram colegas há mais de 10 anos e ele era casado com uma de suas melhores amigas. Os filhos brincavam juntos, tinham praticamente a mesma idade. Nada havia ali que pudesse ligar qualquer sinal de alerta. Era um homem de sua confiança. Sereno, calmo, intelectual, gentil. 

Havia uma brisa fresca que entrava pela janela e ainda um pouco de luz natural que aos poucos ia embora. Ainda assim, a escola já estava deserta. A atividade do dia dos pais tinha acontecido pela manhã e ela aproveitara que seus filhos estavam com o pai deles para esticar no trabalho e adiantar as correções. 

Vagamente se lembra de ter-se levantado para falar com ele, havia algo no planejameto que ele dissera que precisava de sua opinião.  Estavam lado a lado, ela leu o documento. Acho que era a última memória vívida. Nada havia ali, a princípio que demandasse de fato sua opinião. Estava tudo como deveria, nenhuma inovação, apenas o que era. Virou-se para responder a pergunta que ele fizera.

E lá estava ela deitada na maca fria, naquele ambiente gelado e estranhado IML. Gentileza passou longe daquele lugar inóspito por todas as razões e também pela forma como o médico legista tratou-a.  Sentia-se violada pelas perguntas secas, pelas mãos brutas, não havia qualquer calor ou compaixão naquele atendimento. Mas ela estava viva. Agora estava certa de que estava viva. 

Aos trancos e barrancos com a medicação. Seguia viva. Não sem marcas, mas viva. 

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