terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre o Dia Seguinte

Alberto,

Creio que Anita, mesmo tendo suas próprias confissões, não consegue atualizar Caio diante das revelações feitas por ele - ou à revelia dele. Sim, Caio era um homem ideal. Talvez fruto da imaginação de Anita, certamente produto de minha onipotência autoral, fruto de arrogância criadora.

Sinto-me devastada. É como se tivessem me arrastado por quilômetros de estrada de piçarra em alta velocidade. Estou em carne viva e, mesmo tendo recebido infalíveis unguentos, ataduras limpas e secas, todos os cuidados para evitar a sepcemia, ardo em febre. Meu corpo não pode ser sequer tocado, minha alma vagueia por entre as palavras que ouço longe, longe, mesmo tendo sido pronunciadas por minha própria boca.

Apenas a dor está aqui e é tão feia que assusta os mais bravos cavaleiros, as mais corajosas Amazonas. Desejo desaparecer por uns dias do planeta. Dar uma volta em torno do sol e buscar lá - quem sabe - uma outra energia. Energia renovadora, renovada.

A força das minhas entranhas me acompanha, graças a elas resisto a tamanha covardia. E delas me reinvento enquanto, pouco a pouco, o tecido eptelial se reconstituí. É lento esse processo de cura, até que se cria a casca e, sob a casca protetora, se reconstitui a pele - fina e delicada no princípio - sensível, porém firme depois da cura. É um processo lento, que exige força, firmeza e paciência de quem cuida o corpo ferido, a alma devastada.

Pode parecer, caro Alberto, que sua interlocutora já não é a mesma. Creia, não é mesmo. Há semanas vem-lhe sendo seifada a vitalidade (e ela está permitindo).Mas como bem disse Pessoa, o poeta afinal é um fingidor (...) Assim, entra por uma porta e sai pela outra e quem quiser que chore outra.

O que é real nessa história toda, afinal? Não sei. Só sei que é assim que meus dedos sôfregos quiseram tocar o teclado. E eu permiti.

Aguarde, em breve Anita, com sua autora já recuperada do turbilhão em que se encontra, retomará as cartas. Talvez inspirada por Rosa, talvez por Simone, talvez por ela mesma, que não é mulher de não se bastar, essa Anita Lopes.

Forte abraço de quem muito te ama.

Maria Cláudia Cabral
Caio,

Já não sei o que sinto, nem mesmo tenho certeza de quem fui ao seu lado. Não sei tampouco quem sou agora, diante das revelações.

Perdoe meu silêncio por um tempo que não saberei precisar qual será, mas que certamente é necessário para compreender tudo o quanto li dias atrás, tudo quanto soube hoje de ti.

Até,

A.L.

 http://cartasdeanita.blogspot.com/2010/06/bilhete.html

terça-feira, 8 de junho de 2010

X Carta a Caio Marques - confissões

Querido Caio,


Não sei como dizer... Já não sabia,  agora urge contar-te. Meu coração se aperta. Já deveria ter compartilhado contigo. Mas não fui capaz. Não fui capaz porque meu coração se espreme no peito ao pensar que nossos vínculos, mesmo indestrutíveis, estão laceando. Mais precisamente, que o amor que sinto talvez já não seja o mesmo amor, assim como a flor do Ipê Rosa a cada estação já não é a mesma flor. Sinto falta de amá-lo assim, amiúde, intensa e incondicionalmente. Sinto falta de estar apaixonada irremediavelmente por ti. Por isso venho adiando o momento de dizer-te...

...Meus olhos encontraram outros olhos durante a última viagem.  Enquanto meu coração disparava, ainda que discretamente, entristecia-se solitário, sem ter com quem dividir o peso dessa perda. Perdi o amor que sentia, eu o vi escorrer por entre os dedos. Agora era fato: Meus olhos viram outros olhos.

Vinha sentindo a nuca aquecer-se em pleno inverno. Sentia um olhar insistente bem atrás de mim, frequentemente. Virei delicadamente a cabeça - mas não completamente - e vi. Vi aquele olhar acinzentado: intenso e expressivo a me mirar. Voltei-me novamente para frente, mãos úmidas. Não era possível. Não estava acontecendo - dividi com meus botões.

Os dias se passavam e aqueles olhos ainda aqueciam minha nuca. Não era apenas uma sensação. Quando me virava lá estavam os olhos dele me fitando fixamente, com lábios que ensaiavam um sorriso incerto. As noites também passavam, aqueles olhos não tinham nome, nem voz e mesmo assim estava convicta de que já os conhecia, mesmo sem jamais tê-los visto antes.

Buscava-te em vão na caixa de correspondências. Gritava seu nome em silêncio e não me ouvias. Supliquei tua atenção, mas estavas ausente. Completamente ausente.

Último dia, após o trabalho intenso, saímos todos a comer e a beber juntos. Saímos para confraternizar e comemorar o êxito de nossa empreitada. Lá estavam eles a me fitar. Não pude deixar de retribuir o olhar, ainda que por alguns segundos apenas. Deixara, quase sem querer, escapar um sorriso contido, encabulado. Sorriso de menina.

Encontrei aqueles olhos acinzentados. Despedimo-nos numa esquina próxima ao meu hotel, lugar em que me deixou após o jantar, como il faut, e a promessa de nos vermos breve e muitas coisas para contar.

Foi assim. Suave e terno. Apenas olhar, leve embriaguez e sorrisos, mas foi. E agora que vens, devo adverti-lo que também ele estará na cidade nesse período. Chegará daqui a dois dias. Não sei se nossos olhares serão cúmplices novamente, mas nossa correspondência incessante indica que, de sorrateiro e tímidos, nossos olhos brilharão mais intensamente.

Não sei ser como tu. Não sei ser fragmentada, meus olhos se voltam apenas para um olhar por vez. Sou inteira em todas as minhas relações. Sigo inteira contigo, amando-te incondicionalmente como um dos mais ternos e próximos amigos que já tive. A vida segue, afinal. 

Sua amiga sempre,

A.L.

Vide Verso Virtual - Carta a Alberto

Querido Alberto,

Estamos mesmo muito sintonizados sempre. Diria que até foi bom não ter visto tua resposta à carta do Ipê antes de escrever a que acabo de postar. É fato: nossas mentes conversam durante nosso sono.

É momento de confissões entre Caio e Anita. Adorei a confissão de Caio, fez dele alguém muito mais humano, muito mais real. Afastou de Anita Caio idealizado, aquele que ela teima em achar que é 'o cara'.

Estou lendo Tête-à-Tête, sobre a vida de Simone de Beauvoir e Sartre. Talvez também não seja por acaso. Mas acho que Caio e Anita talvez não tenham o vanguardismo do Castor e de Sartre. Anita, estou certa, compartilha as entrelinhas de Simone, assim como tem em comum com Rosa de Luxemburgo a dicotomia entre a modernidade e a paixão.

Vamos ver como esta Anita se comporta diante de tal confissão. Vamos ver como Caio reaje diante da confissão de Anita.


Sigamos, sigamos, subamos, subamos...




Maria Cláudia