segunda-feira, 15 de maio de 2017

10 Coisas que Diria a uma Jovem Grávida

Carta à Jovem Gestante

São muitos os caminhos que levam à concepção. Apenas um conduz à maternidade. Seja como for, por uma fração de segundos houve uma força tão irresistível entre um homem e uma mulher, que gerou uma fusão atômica. E desta fusão de células: A fecundação. 

Naquele momento, o milagre da multiplicação das células logo faz do encontro fortuito ou da maior expressão de afeto, Vida. 

E a força da vida é tão arrebatadora que podem surgir dúvidas. Será que sou capaz de criar uma criança? Terei condições? Ter ou não ter? Como será? Que faço com meus planos, minha carreira, meus estudos? Porque agora? 

Mesmo com dúvidas, a vida não espera e as células seguem se multiplicando. Enjoos, tontura, azia, sono... muito sono. Vida que cresce dentro de outra vida.

Serei um monstro se não quiser ter? Se tiver, sou uma irresponsável? Se desistir, sou criminosa? Vou ser presa? Como vou cuidar do bebê?

A barriga cresce com as dúvidas. O sonho materno alimentado por ocitocina e padrões sociais. Ter ou não ter?

O que eu posso te dizer?

Fiz minha escolha aos 20 anos. Faltavam 11 matérias para eu me formar. Tinha dúvidas sobre o relacionamento. Não havia certeza alguma. Sempre quis ser mãe, mas precisava ser naquele momento?  
Escolhi ter.

Não foi fácil, não é simples. 
Foi maravilhoso e assustador quase sempre. Abri mão de planos, de sonhos, mudei de rumo completamente. Ela me pariu mãe, no momento em que eu a pari. Parir é tornar-se mãe. Nasci mãe com ela, ela nasceu de mim. 

Ela é o fruto da fusão de dois átomos. É a síntese de nós dois. Nela estamos unidos para sempre. Nela - e em seu irmão - seremos para sempre um só corpo, uma só carne. E nada, nem ninguém poderá nos separar. A força do encontro, fortuito ou planejado, permanece vivo nos filhos. Nesse sentido, toda união que gera filhos, nascidos vivos [ou não], é para sempre.

Os desafios são enormes, assim como as alegrias. É tão lindo, quanto difícil ser mãe. As dúvidas não cessam se desisto de ter ou se escolho ter. Dúvidas são companheiros eternos desde a fecundação. 

Filhos não vêm com manual. E um é sempre, necessariamente, diferente do outro, ainda que sejam gêmeos univitelinos. O aprendizado nunca termina, mesmo quando são adultos. São nossos mestres desde a barriga. E o aprendizado é desafiador. 
O choro de um bebê pode ser desesperador quando não conseguimos perceber o que eles querem. E assim vamos pela vida aperfeiçoando a observação nas micro expressões faciais dos filhos. Errando muito, acertando às vezes sem qualquer garantia que vai dar certo.  E um dia a gente acorda e o bebê está com 24 anos: universidade, namorado(a), própria casa e fazendo chá para aquecer, te ensinando – sempre ensinando – sobre as ervas do jardim. Assim é.

O aprendizado quase nunca foi fácil, medo, insegurança, raiva, desespero, extase, alegria, tudo ao mesmo tempo. Valeu a pena, é o que posso dizer. 

Pequenos conselhos, caso escolha seguir o meu caminho:

01. Nunca estamos prontas, essa é a maior certeza que tenho;
02. Relaxe: o mundo não é estéril e o contato com micróbios desenvolve anticorpos e fortalece o sistema imunológico;
03. Não implique: Avós – dos dois lados – são o melhor presente que podemos dar aos filhos;
04. Desencane: Haja o que houver, a culpa sempre será sua diante do analista. Então: dê limites, mas também dê colo;
05. Lembre-se: ‘’Porque não’’, não é resposta;
06. Ocupe seu lugar: Você é a mãe, seja de que jeito que for, sempre será a mãe;
07. Atenção: Não existe criança sem pai. Seja de que jeito for, ele sempre será o pai;
08.  Não vai ser fácil, mas é recompensador;
09. Os pais – mãe e pai – dão, os filhos recebem. Sempre! E tudo o que você fizer por ele/a, tenha certeza, é o seu melhor naquele momento; e
10. Haja o que houver, seja qual for sua decisão sobre o bebê, você já é mãe e sempre será! 




sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Diário de 28 dias pós estupro - L.F.S., 34 anos - 25 dia

Os pesadelos chegaram para ficar. Ela sabia que estavam ali, mas não se lembrava de seu conteúdo. Mais uma vez acordou às 3 horas da manhã, desta vez banhada em suor frio. Costas, testa, peito molhados. Teria revivido  o trauma em sonho? Não tinha idéia, não conseguia voltar ao sono. Restava escrever, ainda era cedo para tomar os remédios. Introduzira por sugestão de uma amiga médica um medicamento em jejum que prometia proteger o estômago. Ela que não gostava de medicamentos aderira a este exausta da batalha que seu corpo vinha travando com a medicação e que colocava seu estômago e intestinos no centro do Universo.

Decidiu tirar uma licença do trabalho. Não havia alternativa para ela, sequer sabia como seria quando a licença acabasse. Ela não conseguia se imaginar novamente rodeada por aquelas paredes, atravessando aquele corredor. Era um misto de dor e vergonha que não a abandonava e, sentia, estaria com ela ainda por muito tempo. Mas estava viva - não sabe bem como - mas estava. De súbito percebeu-se desejando sumir, desaparecer da Terra. Para ser bem honesta o que queria era morrer. Nada mais fazia sentido  e só quem viveu essa experiência haverá de entender o que sentia. Faltava sentido.

Os filhos àquela altura, que nada sabiam sobre o ocorrido, não entendiam a mãe estendida na cama dia inteiro. Ela fora dinâmica sempre, agora era uma samambaia no canto da sala. Talvez a samambaia fosse mais vívida que ela. Estava apática a maior parte do dia. Corpo, mente e psique sofriam diante da violência experimentada. Que fazer para reparar isso? Perguntava-se e culpava-se pela desatenção com os filhos, pela ausência na escola, mas não podia pensar na escola. Não podia pensar na ideia de voltar lá.

O delegado a havia quase dissuadido de prestar queixa. As razões eram racionais. Era fato que mesmo com o exame de corpo delito era ela que a todo instante teria de provar que era a vítima. Ele mesmo insinuou mais de uma vez durante o depoimento que ela poderia ter ''provocado'' de alguma forma. Perguntou sobre o que vestia, sobre a proximidade com o autor da violação. A questionou tantas vezes e de várias maneiras sobre a autoria, ante a sua confusão mental diante da reconstituição de memórias e seu abalado senso de orientação. Por fim disse que no final poderia não dar em nada e ela teria manchado sua reputação no trabalho, na vizinhança, com as pessoas da comunidade escolar. Ela ouvia aquela voz longe de si e pensava ''eu fui a vítima'', ''fui agredida e violada'', ''eu vou pagar por isso?''

Já estava pagando. Pagou no IML, paga até hoje e ainda por mais 24 dias tomando esse bendito coquetel que a protegerá de um mal maior. Pagou no primeiro dia quando vomitou mais de 8 vezes e se esvaiu em diarréia, olhos fundos, corpo surrado pela violência dos espasmos gástricos. A medicação para proteger o estômago foi um alívio para os vômitos a partir do segundo dia. Agora só restava a diarréia que aos poucos ia cedendo ou pelo menos tornara-se menos violenta. O tempo das batalhas sangrentas no corpo ia passando, o inimigo ia sendo vencido - torcia! - pelo exército químico que ingeria. As tropas biancas, comandadas pelo Ritovanir, pelo Sulfato de Atazanavir e pelo Fumerato de tenofovir - desoproxila, pelo visto já dominavam o inimigo e aos poucos seu intestino ia voltando ao trabalho. Seja lá o que isso efetivamente signifique.

Adormeceu novamente exausta enquanto o sol se levantava, podia não acordar mais.



quarta-feira, 12 de outubro de 2016

28 dias de L.F.S. 34, pós estupro - Faltam 26 dias



Às vezes é preciso fazer pausas para lidar com temas difíceis na vida. A violência que L.F.S, 34 sofreu a jogou numa montanha russa emocional por uns dias. Especialmente esses primeiros dias sob efeito do coquete preventivo, que é gratuitamente distribuído no Brasil pelo SUS. Os remédios nocauteiam não apenas o corpo, a mente parece, em alguns momentos flutuar na caixa craniana. Isso não dura muito. Conforme o corpo vai se adaptando, a mente - o cérebro - vai assentando, digamos assim.

Mas as emoções, estas não são nem apartadas nem completamente identificadas com a mente. São de outra ordem, uma ordem que influi na mente, mas não se confunde com ela. E a memória dos momentos que antecederam o episódio do estupro visitou-a no terceiro dia. Junto com as memórias as perguntas - sempre sem resposta - de quem dentro dela não podia acreditar ainda que aquilo tudo havia acontecido.

Na manhã do terceiro dia de medicamentos acordou às 3 da madrugada assustada, seria efeito do trauma? Não pode mais dormir. Pensamentos desconexos a visitavam. Tentava lembrar do sonho que a despertara sem sucesso. Tentava lembrar como havia ido parar naquela situação. Buscava na memória algo que tivesse feito ou algo que tivesse dito para que ele pensasse que podia se aproximar dela daquela maneira. Não encontrava. 

Ela ficara na escola até mais tarde porque tinha pilhas de provas para responder. Quando ele se aproximou da porta silenciosamente ela nem notou sua chegada. Quando notou não se surpreendeu ou se assustou. Ao contrário, sorriu como de hábito, afinal eram colegas há mais de 10 anos e ele era casado com uma de suas melhores amigas. Os filhos brincavam juntos, tinham praticamente a mesma idade. Nada havia ali que pudesse ligar qualquer sinal de alerta. Era um homem de sua confiança. Sereno, calmo, intelectual, gentil. 

Havia uma brisa fresca que entrava pela janela e ainda um pouco de luz natural que aos poucos ia embora. Ainda assim, a escola já estava deserta. A atividade do dia dos pais tinha acontecido pela manhã e ela aproveitara que seus filhos estavam com o pai deles para esticar no trabalho e adiantar as correções. 

Vagamente se lembra de ter-se levantado para falar com ele, havia algo no planejameto que ele dissera que precisava de sua opinião.  Estavam lado a lado, ela leu o documento. Acho que era a última memória vívida. Nada havia ali, a princípio que demandasse de fato sua opinião. Estava tudo como deveria, nenhuma inovação, apenas o que era. Virou-se para responder a pergunta que ele fizera.

E lá estava ela deitada na maca fria, naquele ambiente gelado e estranhado IML. Gentileza passou longe daquele lugar inóspito por todas as razões e também pela forma como o médico legista tratou-a.  Sentia-se violada pelas perguntas secas, pelas mãos brutas, não havia qualquer calor ou compaixão naquele atendimento. Mas ela estava viva. Agora estava certa de que estava viva. 

Aos trancos e barrancos com a medicação. Seguia viva. Não sem marcas, mas viva. 

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

28 dias de L.F.S, 34 - pós estupro - Faltam 27 dias



Os sons do dia invadiram o quarto. Finalmente tivera uma noite inteira de sono desde o episódio. Lentamente abriu os olhos ofuscados pela luz do dia que entrava por uma fresta da janela. Por um instante buscou o gosto metálico na boca. Estava menos agressivo hoje. Suspirou fundo pensando que teria de tomar o coquetel preventivo novamente e novamente até o vigésimo oitavo dia. Mais um dia, não queria ter novamente um dia como o de ontem. Ou de anteontem ou do dia em que só lhe restou ficar inerte diante do ataque sofrido.

A pergunta martelava em sua cabeça

-''porque não conseguiu reagir?'
- '' porque não se debateu?''
- '' Porque o não repetido tantas vezes até sua voz sumir não foi suficiente?''

De nada adiantou a psicóloga do posto de saúde esclarecer que a reação de congelamento acomete muitas pessoas em situações de ataque inescapável. Quando o sistema nervoso autônomo, responsável pela resposta de luta e fuga é acionado, muitas vezes ele mesmo entende que lutar ou fugir não serão suficientes para evitar o ataque. Nesses momentos, resta como alternativa pela sobrevivência, congelar ou fingir-se de morto, como fazem os animais na natureza. Nunca ouvira falar sobre aquilo. Não entendia. O certo é que aconteceu com ela e ela não conseguiu reagir de forma efetiva para evitar o estupro.

- Mas conseguiu sobreviver - disse a psicóloga - E isso era o mais importante.

Ela não tinha certeza se queria ter sobrevivido. Quem sabe não seria mais fácil se tivesse sido morta de uma vez. Levantou-se lentamente e preparou-se para tomar mais uma dose. Comeu pouco. Apenas o suficiente para tornar o contato da medicação com o estômago menos agressiva. Em seguida, respirou fundo e um a um engoliu as drogas. Silenciosamente pediu que a peia fosse mais branda naquele dia. Não suportaria passar por tudo novamente e agradeceu estar podendo preservar ao menos a saúde.

Meia hora foi o suficiente para iniciar o ciclo da diarréia. Felizmente não havia, pelo menos até aquele momento, vômitos. O enjoo permanecia, ainda um pouco de tontura. Só a diarréia firme seguia. Foi assim durante todo o dia. Não reclamou. Ela ao menos podia tomar água de côco e reidratar-se de algum modo. A energia vital estava baixa. Só tinha vontade de dormir. O corpo estava invadido por um exército poderoso com milhares de soldados que caçavam implacáveis um vírus que não tinha certeza que estava lá. Não importava, tal qual o exército estadunidense no Iraque, não importava que não houvessem armas de destruição em massa no país, eles tinha de eliminar o inimigo e para isso destruiriam tudo o que encontrassem pela frente. No seu caso, toda a sua flora intestinal, suas vísceras, todas as bactérias felizes que viviam em seu corpo há anos. Era uma invasão e tanto.

A ela não importava se havia ou não armas de destruição em massa, só queria fazer o próximo teste - em dois meses - e receber um resultado ''NÃO REAGENTE``.

As horas se arrastavam. Tentou ler, não conseguiu. Tentou escrever não era possível. O raciocínio estava algo lento. E assim a temida hora do almoço chegara. Comeu pouco e leve, ainda ressoava a memória do dia anterior. As horas passaram e nada novo aconteceu. A diarréia seguia com ela. Mas nada de fortes enjoos. Sentia que estava melhor. Iria ficar cada dia melhor. Melhor e mais forte, havia sobrevivido.

Dormiu cedo, exausta como se tivesse corrido um maratona no inverno novaiorquino.


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

28 dias de L.F.S, 34 - pós estupro - Primeiro dia


No Brasil a cada 11 minutos uma mulher sofre estupro. Isto é, aqueles que são notificados. Ainda assim é assustador pensar sobre isso.

Acordou e a boca estava amarga, mal podia abrir os olhos. Precisava trabalhar. Lembrou-se do dia anterior e deixou-se afundar no colchão. Virou para o lado. Lá estavam os três frascos de medicação. Seriam seus companheiros nos próximos 28 dias. Precisava levantar, mas o corpo só queria permanecer ali, embaixo das cobertas, no quarto ermo, encolhida e quieta. Não bastavam as dores no baixo ventre, tinha o metálico sabor dos antibióticos da noite anterior na boca. Mal sabia... Podia piorar.

Arrastou o corpo até o banheiro, dor ao urinar ainda incomodava, menos mas persistia mesmo depois de  toda aquela medicação agressiva. Diarréia. Faltava energia no corpo, estava cheia de vergonha e vontade de sumir. Não era possível, tinha de trabalhar. Entrou embaixo do chuveiro tentando tirar da pele aquele cheiro desconhecido que a incomodava desde o dia anterior. Nada o fazia sumir.

Sentia-se enjoada, mas precisava comer para tomar o coquetel anti-HIV. Não era justo pensar nesse vírus, não com ela. Sempre tão cuidadosa... Conseguiu tomar um chá com torradas, o enjoo melhorou com a refeição. Encarou o primeiro dos próximos 27 dias com coragem. Essa doença não ia pegá-la por nada. Separou cuidadosamente as duas pílulas e a cápsula bicolor, fixou o olhar por um instante, tomou as três de uma única vez. E partiu.

Chegou ao trabalho atrasada. Não sabia o que dizer. Esteve no posto de saúde, sim, esteve. Só o colega que a encontrou no piso da sala de aula quase catatônica sabia do ocorrido. A coordenadora não tinha idéia, ninguém tinha idéia do que passara na escola no dia anterior. Sorte que hoje não tinha sala de aula, não saberia encarar os alunos. Mal podia explicar o que a levou ao posto de saúde todo o dia anterior. Inventou uma infecção qualquer. Sentou-se em silêncio. Tudo parecia em câmera lenta. Ela estava em slow motion. Procurou fixar-se no trabalho, três pacotes de provas para corrigir. Chegou a pensar em fazer o trabalho em casa. Não sabia o que era pior estar ali em meio a todos os colegas ou se estar sozinha no seu quarto pequeno, em profundo silêncio. Tinha vontade de desaparecer.

Convidou Marcos para almoçar, cuidando para que fossem a sós. Precisava falar sobre tudo, não podia partilhar com qualquer outra pessoa o peso daquilo que ela mal compreendia. Foram juntos, não tinha fome. Tinha enjoo. Forçou-se a comer um pouco. Menos da metade do que era seu habitual. O gosto amargo sumiu. Por um instante acreditou que estava bem. Até levantar-se da mesa para pagar a refeição e perceber que o restaurante girava.

O medo do estupro assola a todas nós. Andamos nas ruas, tomamos o coletivo, entramos no metrô, vamos a festas, usamos taxi, sempre com medo. Em todos os lugares o perigo pode estar nos espreitando. Nunca imaginei que fosse acontecer no meu local de trabalho, no sagrado espaço da sala de aula. Ainda parecia um pesadelo do qual não acordava.

Caminhei ligeira de volta à escola, enquanto Marcos ia buscar minhas coisas na sala dos professores Direto para o banheiro. Sentia as vísceras se remoendo. Vômito, vômito, vômito. Três jatos intervalados. Todo o almoço boiando no vaso sanitário, no chão, nas paredes. Todos os dias seriam assim? Os olhos transbordavam pela força dos espasmos.

Lavou a boca. Olhou-se no espelho, estava pálida, olhos fundos, perdidos. Lavou o rosto, saiu. Marcos a levou até a porta da escola, parou um táxi a colocou lá dentro. Ele vinha sendo sua mão salvadora desde aquela tarde que acordou deitada no chão da sala, calcinha rasgada ao lado do corpo, peitos à mostra sem entender o que havia acontecido. Ele a encontrou assim. Foi a voz serena que a ajudou a ir voltando aos poucos. A acompanhou em todas as etapas. O táxi estava quase em casa. Ela rezava para chegar logo. Os enjoos estavam voltando.

Enjoos. Vômitos. Água de côco. Enjoos. Vômito. Água de côco. Enjoos. Vômito sono, muito sono. as vísceras reviradas. Nada mais no estômago a por para fora. Só bilis e dor. E a diarréia não parava. Os espamos, a certa altura, eram tão violentos que urina escorria por suas pernas. É uma cena algo escatológica, mas quem disse que não é escatológica a situação de um estupro? A violência não acaba com o gozo doentio do estuprador. A violência persiste a cada olhar, a cada passo, a cada vômito. E pelo visto persistirá por mais 27 dias.

Exausta cochilou sem noção de que horas eram e tendo a clareza que precisava partilhar essa dor. A dor de ter seu corpo violado, a dor de ter seu corpo violentado por aquilo que poderá salvar sua vida: o coquetel. Bendito coquetel que me desmonta, me surra e me salva. Os efeitos do estupro são devastadores na alma de uma mulher. Desmonta por completo a auto-estima e o senso de confiança. Destrói qualquer possibilidade segurança na presença de um homem. Anestesia, desliga.

Adormeceu exausta.